terça-feira, 2 de abril de 2013

Apesar das pernas curtas

(ou "Das mentiras sobre o ativismo LGBTI")


Mentiras e ignorância existem por toda parte. Infelizmente.

Parece-me especialmente curioso, no entanto, que os partidários do pastor Marco Feliciano (como o senhor Silas Malafaia) achem tão normal usar a mentira como instrumento político. Como instrumento para destruir a imagem de quem tem uma opinião diferente da que eles mantêm. Especialmente eles, meu Deus, que se dizem tão ciosos das escrituras bíblicas...

A Bíblia é rica em passagens que condenam a mentira e a calúnia. Por que aqueles que se manifestam a favor de Feliciano se "esquecem", com tanta facilidade, que "não darás falso testemunho contra o teu próximo", por exemplo? (Êxodo, 20:16)

Um dos principais alvos desses ativistas do ódio tem sido o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ). Numerosas evidências indicam que indivíduos ligados a Marco Feliciano criaram e espalharam calúnias diversas contra Wyllys, como a que ele teria feito apologia à pedofilia numa entrevista à rádio CBN (a própria CBN divulgou comunicado em que denuncia a mentira).  

Outra das falácias mais recorrentes é que os ativistas protestam "porque são pagos", "porque querem mamar nas tetas do Governo". Que as "Paradas Gays" são uma vergonha ainda maior por serem financiadas pelo dinheiro público. É muito fácil fazer essas acusações, certo? Gostaria de vê-las sendo provadas com fatos. Em todos os protestos em que participei, os manifestantes foram de livre e espontânea vontade, por seus próprios meios, sem receber um centavo por isso. Muito pelo contrário: temos gastos com material para cartazes, com transporte... Lutamos de graça por um ideal – construir uma sociedade mais justa, mais unida e com mais igualdade e respeito.

Interessantemente, essas mesmas pessoas que acusam o movimento LGBTI se "esquecem", novamente, das isenções tributárias concedidas às organizações religiosas pelo Estado brasileiro. Em 2012, por exemplo, as igrejas teriam arrecado cerca de 20 bilhões de reais no Brasil . Em 2008, calcula-se que o Governo tenha deixado de arrecadar um bilhão de reais (R$ 1.000.000.000,00!) por conta dessa renúncia fiscal . Estima-se que, em 2012, tal valor possa ter dobrado.

De acordo com o economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas, o Estado subsidia as igrejas por meio da isenção fiscal, a qual garante a perpetuação da influência religiosa nas comunidades mais carentes, justamente as que mais contribuem com os dízimos. Além de atuarem como substitutos do Estado, Néri diz que as igrejas fazem concorrência predatória nas áreas em que atuam, por não pagarem impostos.


E então? A quem o Estado brasileiro tem beneficiado desde sempre mesmo?

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Deixem-me sambar!


(ou "Pai, perdoai-lhes, pois eles não sabem o que dizem"!)

Algumas das coisas que mais tenho ouvido desde que se iniciaram os protestos contra a permanência do pastor Marco Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM):


(a)  "Por que vocês não protestam contra o Renan Calheiros também? Bando de hipócritas!"

(b)  "E manifestações por educação e saúde, não vão fazer? "

(c)"Bando de vagabundos! Só querem saber de baderna! Protesto às duas horas da tarde? Vocês não trabalham, não?"

(d) "Não vão adiantar nada esses protestos. Tem que mudar a cultura, tem que acabar com esse sistema político!"

(e) "Só estão protestando porque ele é pastor. Vocês queriam que o gayzista Jean Wyllys estivesse lá, é?"


(Essas citações são reais. Corrigi os erros de concordância verbal e nominal, de sintaxe e de grafia, mas os termos utilizados vão daí para baixo na escala do respeito e da racionalidade. Os xingamentos e palavrões estão sempre presentíssimos, claro).



Eu tinha por mim que tais questionamentos seriam poucos; viriam de pessoas inocentes, ingênuas, que não tiveram ocasião de parar para pensar no que estavam escrevendo... Parece, no entanto, que me iludi. Na verdade, há gente de muita má-fé agindo por trás dessas frases vazias. Por quê?

1. Um protesto não inviabiliza (nem deslegitima) outro(s). Não é porque estamos nos manifestando contra uma pessoa racista, homofóbica e machista na presidência da CDHM que estamos impedindo protestos contra desmatadores na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável ou contra corruptos no Senado Federal. Muito pelo contrário: em diversos protestos que se realizaram desde o dia 08 de março de 2013, manifestou-se, simultaneamente, contra Marco Feliciano, Blairo Maggi, Renan Calheiros...
 O que tenho notado é que a totalidade dessa gente que reclama dos protestos por uma CDHM mais justa e legítima jamais participou de nenhum protesto na vida. Sequer se mobilizam nas redes sociais em favor dessas causas que consideram "mais importantes". Sair às ruas, então... De modo algum!  Agora, eu que pergunto, então: por que vocês não vêm protestar também? O que os impede?
É, parece que não somos nós os hipócritas, hein...


2. Quanto a chamar os manifestantes de baderneiros e vagabundos: mais um dos velhos ataques conservadores para diminuir qualquer demanda por direitos e por justiça... Nós trabalhamos, sim! E estudamos, dormimos, fazemos compras... A diferença é que não nos conformamos com as iniquidades desse mundo e também tiramos um tempo dos nossos dias para lutar por justiça, à nossa maneira. Se tentar fazer a minha parte por uma sociedade que considero melhor é ser vagabundo, que eu continue o sendo!
Não quero ser aquele indivíduo que reclama do trânsito todos os dias, mas que quando vê um protesto pelo desenvolvimento do transporte público, vocifera enraivecido de dentro do seu carro: "bando de gente à toa, só sabe atrapalhar o trânsito!".

3. Precisamos de mudanças no nosso sistema político? Sem dúvidas. Determinados aspectos da nossa cultura podem contribuir para um sistema que favorece a ignorância e a corrupção? Sim. Por conta disso, devo ficar parado, esperando que através das rotações e translações da Terra tudo se resolva? NÃO!
Especialmente quando se trata da luta por direitos de minorias historicamente oprimidas. Alguma vez, por acaso, o opressor cedeu direitos a essas minorias sem que houvesse muita luta por parte delas?

4.  A falácia do preconceito contra cristãos vai sendo repetida ad infinitum. Teve gente, inclusive, falando de "cristofobia"... Mas que coisa, não é mesmo? "Cristofobia" num país em que 90% da população se autodeclara cristã (IBGE, censo de 2010). Eu mesmo sou cristão, e me entristeço com o fato de que, ainda hoje, utilizem o nome de Jesus para oprimir, humilhar e enganar...
Deve ficar claro que Marco Feliciano NÃO REPRESENTA os cristãos. Ele sequer representa a maioria dos evangélicos. E que os protestos contra ele NÃO se devem as fato de ele ser pastor. Devem-se às suas declarações racistas, machistas, homofóbicas, misóginas e antidemocráticas; devem-se às denúncias de corrupção que pesam contra ele e à sua trajetória de negação dos direitos às minorias. 

Abraços fraternos, e que o amor prevaleça!

sexta-feira, 29 de março de 2013

Para que tudo, de novo, vire tudo ao contrário

Vivo no Brasil. Há tempos que venho notando o surgimento de um pensamento neoconservador e reacionário muito forte por aqui. Saindo de rincões específicos - tais como determinadas seitas evangélicas - esse pensamento vem conseguindo espaço rapidamente nos meios de comunicação. Economicamente empoderado, ocupa também cada vez mais posições importantes na Política. E, por meio de um discurso de violência travestido de "liberdade de expressão", vem tentando barrar a evolução dos direitos de minorias historicamente oprimidas - mulheres, negros e homossexuais, para citar alguns dos grupos mais visados pelo preconceito dessa gente.

É nessa dinâmica que enxergo a assunção do pastor Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). "Crítico" contumaz dos homossexuais, das religiões de matriz africana (de qualquer religião que não seja a dele, em verdade) e da emancipação feminina, esse senhor já é largamente conhecido por suas declarações racistas, machistas e homofóbicas. Além disso, já há denúncias bastante contundentes que o acusam de estelionato (vide um dos processos contra ele que tramita no Supremo Tribunal Federal) e do uso de dinheiro público para fins particulares - pagamento de pastores que atuam em sua igreja com verba da Câmara dos Deputados, por exemplo.
Eu poderia falar longamente a respeito dessas denúncias que comprovam a desonestidade política de Feliciano, mas acho melhor indicar o breve dossiê formulado pelo Anonymous Brasil (veja aqui).

Decidi criar este blog por conta do revés que a tomada da CDHM por fundamentalistas representa para os Direitos Humanos no Brasil. Acompanhando as notícias desde o fatídico 8 de março de 2013 (que belo presente pelo Dia Internacional da Mulher, não?), senti a necessidade de expressar por escrito algumas das ideias que me vinham à cabeça.
Ao ler tais notícias (e especialmente alguns dos comentários de leitores que as acompanhavam, carregados de ódio, de violência e de preconceito), comecei a somatizar o medo e a desesperança que me atacaram - dores de cabeça, refluxos, mal-estares generalizados... Ciente de que eu deveria tentar fazer alguma coisa a esse respeito, procurei me envolver mais ativamente nos protestos em favor de justiça e de coerência na CDHM. E é disso que vou falar em algumas das próximas postagens.

Abraços fraternos - e que o amor prevaleça através do tempo!